sexta-feira, 3 de outubro de 2008

O morador do 401

Capítulo XII - O sonho

Essa noite fez temporal no 401. O vento gélido entrava pela fresta da janela e trazia consigo lembranças do passado; ares de uma outra terra, distante do Vale das Lágrimas. O morador do 401, adoecido, quase não respirava. Adormeceu a muito custo após ingerir um antitérmico. Seu sono era pesado e ao mesmo tempo tumultuado. Imagens, sons e cheiros se misturavam em sua mente. Era difícil traduzir seus múltiplos significados. À medida que a noite se arrastava, arrastava também as imagens: rostos, passos, barulhos e odores a desfilar em sua memória fotográfica.

Um metrô, uma multidão, o barulho do trânsito, sangue pelas vidraças. Na companhia de um homem alto entrou em um vagão lotado. Seu nome, sua identidade: indefinido. Ao locomover do trem, ruídos estranhos, gritos, gemidos. De repente, feito bombas programadas, as pessoas explodem. Sangue por todo lado. Ninguém além do morador e do homem alto havia sobrevivido aquela estranha desventura. Ao sairem do vagão - uma estrada de terra batida. Perplexos pela imagem e pelo acontecido saem as tontas pela estrada. Após uma longa caminhada, o sol nas cabeças, as roupas sujas de sangue, sedendos, visualizam novamente o vagão do trem. Os vidros ainda ensanguetados, os pedaços de carne ainda espalhados pelo chão. Sem alternativas embarcam novamente no vagão. Vagarosamente ele volta a se locomover e aos poucos vai ganhando ; vai ganhando, vai ganhando ; vai ganhando velocidade... A mesma cena insana se repete. De volta a estação de trem.

Água e chicletes e novamente o embarque. Dessa vez o sangue havia sumido. Pessoas comuns, rostos comuns. Todos a conversar empolgadamente. O trem ia ganhando velocidade e o ruído ensurdecedor voltou a pertubar. Como num piscar de olhos a cena se repetiu. E de novo a mesma estrada de terra batida; a longa jornada de volta ao começo.
De um sobressalto o morador do 401 acorda. Os lábios secos e rachados pelo calor do corpo febril. Levanta-se vagarosamente e como que arrastando o corpo cansado e doído dirige-se a cozinha. Já é manhã de terça-feira e o labor o espera.

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